quinta-feira, setembro 29, 2011
Queria saber se te causei algum mal, que te fiz sofrer e te deixei triste.
Não, menina, eu nunca quis te deixar triste, te fazer sofrer ou que se sentisse mal. Acho que desde que eu me lembro, poucas mexeram comigo assim como tu mexeste, e olha que não foi uma mexida qualquer. Foi uma mexida de idas e vindas, de altos e baixos, de sobes e desces e sobe de novo.
Sabe, tenho essa coisa pessoal, esse ritual precioso, de não deixar situações inacabadas. Essa vontade que me consome de esclarecer tudo, dar nomes aos bois e fazer com que ambos, eu e você, saibamos o que está acontecendo. Ah garota, me deixe entrar em sua mente e ver o porquê disso tudo, ver a razão de ter me abandonado, me deixado aqui apenas com a saudade. Uma saudade de um tempo que não passou.
Quero voltar atrás e fazer tudo diferente; voltar atrás e não fazer nada; voltar atrás e ser indiferente. Quero, pois, deixar claro que ainda gosto de você, mesmo que não seja recíproco. Não um gostar forte e do jeito que eu gostava antes, mas hoje ainda gosto. Gosto de lembrar e de pensar e de imaginar um mundo de possibilidades e de impossibilidades que eu teria ao seu lado, e você ao meu lado e nós dois juntos de mãos dadas, ainda sorrindo e deitados na grama olhando para o céu e esquecendo da vida.
quarta-feira, setembro 21, 2011
E os cigarros no cinzeiro II
Sempre que ela vai dormir, na escuridão da sua sala de estar, pega uma taça de vinho, cruza seus braços e fica olhando à janela. Vê a rua, mais calma do que de manhã; o asfalto molhado pela chuva de mais cedo; e os postes logo abaixo. Fixa o olho em algum casal aleatório e imagina como seria andar de mãos dadas com a pessoa que você ama. Começa a chover, e mais uma vez ela imagina como seria confortável e reconfortante se apoiar nos braços de seu homem, enquanto ele segura o guarda-chuva para que nenhum dos dois se molharem.
A luz de um quarto do prédio em frente se acende. Ela estava esperando por isso. Há um homem, novo, de cabelos escuros e barba feita, vestido com uma camisa desabotoada até metade do peito e cabelos ensebados de creme. Todos os dias ela repara neste homem, e sente que ele seria a pessoa ideal para segurar um guarda-chuva vermelho, enquanto o vento frio da noite bate em seus rostos e um longo beijo é dado. O homem pega um cigarro de seu maço, acende e é como se ela pudesse sentir o cheiro. Ele começa a se despir olhando para a rua, e tentando brincar com alguma sujeira no poste de luz que fica na frente de seu quarto, longe demais para alcançar e mesmo assim ainda brincando com aquele ninho escurecido pela poeira dos caminhões que passam na avenida todos os dias.
Ela começa a sentir uma mão passando pelo seu rosto, e junto dessa mão o cheiro de cigarro. Os dedos firmes lhe apertam os seios, ela começa a se entregar. Abre os olhos novamente e vê que o homem continua naquele quarto, sentado em sua cama e fumando o seu cigarro. Vira-se e vê que seu marido, um senhor de 65 anos com o qual casou no ápice da sua juventude, está lhe apalpando. Sorri e diz que não com a cabeça, sente como se o mundo desabasse. O cheiro é o mesmo, as mãos são outras. A vontade de amá-la é a vontade que ela tem de ser amada, mas isso não é suficiente, e o senhor vai deitar e roncar por uma longa noite, que ela já sabe que não conseguirá dormir.
Agora o quarto do homem está diferente. Continua claro, mas por uma luz na tomada, uma luz branca. Será que ele tem filhos, e os filhos tem medo do escuro? Será que ele tem medo do escuro? Nunca conseguiria entender como alguém pode ter medo do escuro, pois é lá que ela se encontra. Ela sente no escuro, o poder de ser quem quiser, o poder de se camuflar e fazer o que lhe der na telha. O escuro trás mais felicidades para um ser do que o claro, do que o quarto claro. No escuro ela poderia entrar na casa dele e realizar seus sonhos, suas vontades. No escuro ela poderia ser a mulher que ele quisesse, e ele seria o homem que ela quer. Ela, que sempre adorou o escuro não consegue entender uma luz acesa no quarto.
Desliga a televisão, apaga o abajur e continua olhando, em silêncio. Assim como tem feito por muitas noites, apenas observa os movimentos do homem e espera seu marido acordar para que possa, finalmente, ir dormir. Dormir e sonhar com o homem que tanto olha as noites. De tanto olhar já sabe alguns dos costumes dele, algumas atitudes e até traços de personalidade; sabe que ele ficará furioso com o cachorro que acabara de entrar no quarto, e tinha levado um sapato para fazer de brinquedo; sabe que ele nunca olhará três andares acima no prédio à frente e um pouco à esquerda para ela. E se olhasse, não teria como vê-la pois ela está invisível na escuridão que criou para si. Se olhasse, apenas veria vestígios de uma mulher com um vinho. Apenas vestígios e depois o escuro. E então o escuro.
segunda-feira, setembro 12, 2011
Crescerei como uma árvore
ár vo re
ár vo re
ár vo re
metáfora
árvo re
árvo re
árvo re
metamorfose
árvoreárvore
árvoreárvore
árvoreárvore
caule, tronco, seiva, folhas, braços, pernas, corpo, ar
ar
ar
árvore
sábado, setembro 10, 2011
Gripe-de-mudança-de-estação
Minha gripe é a gripe mental. Chega esse fim de ano, eu preciso descansar. Meu corpo não aguenta mais tanta falsidade, tanto desprezo, tanto menosprezo. O mundo que idealizo e o mundo que vejo realmente, nas ruas todos os dias, são diferentes. É uma diferença gritante, que me faz ficar gripado. Pego quatro dias, deito em minha cama, me cubro, me dopo. Os remédios não farão efeito algum em mim, a não ser me deixar grogue. É como se uma avalanche de emoções, pensamentos e lembranças me tomassem a cabeça e o corpo.
A tal da gripe-de-meia-estação nunca me atingiu realmente, é apenas uma ilusão criada pelo meu subconsciente. Uma ilusão que me afasta dos maus pensamentos, das más pessoas e das más atitudes. Uma ilusão da vida, uma segunda realidade, um outro mundo. Prefiro imaginar, por quatro tristes dias que estou feliz, do que me privar de uma felicidade por um ano inteiro.
sábado, setembro 03, 2011
O meu mundo
Para onde eu olho eu me vejo. Me vejo em você, na sua fala, na sua voz e nos seus lábios. Você me inspira uma confiança, uma perseverança que eu nunca senti com outro alguém. Você é como eu. Eu me vejo quando olho em teus olhos e me perco no tempo; olhos que me fazem viajar e esquecer de mim. Eu me vejo quando sinto o seu cheiro que me é tão familiar, o seu cheiro que me faz tanta falta.
Vejo que se todos fossem como eu, ou se você fosse mais como eu, o mundo seria outro. Seriam outras pessoas, outro modo de ver o mundo, a vida. De tratar as pessoas e de ser tratado. O mundo por mim mesmo seria um mundo melhor, ou pior; a definição fica ao cargo do cidadão.
O cidadão que, ao invés de tratá-lo como qualquer um, vai tratá-lo como a si mesmo, vai adorar, respeitar e dissimular. Vai ser o eu de todos; eu serei todos e todos me serão. Quando o mundo for por mim governado, ele será o melhor, o certo. Poderá ser o errado também mas ninguém vai saber pois todos me serão e entenderão e compreenderão. Todos terão o seu lugar, o seu lugar que me é tão importante. Todos serão eu, e serão você.
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