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sexta-feira, outubro 28, 2011

Você se lembra?


Antigamente eu tinha um destino certo todas as manhãs, saia de casa com um objetivo em mente e não o tirava da cabeça. Naquela época, naquele tempo quente que fazia quando eu encontrava as pessoas e batia um papo sem pressa nenhuma. Não me preocupava com o tempo, não me preocupava com as roupas, não me preocupava com ninguém além de mim.
Lembro-me ainda, de árvores bem verdes e de troncos fortes que eu me encostava na tardes quentes, e via a vida passar calmamente, enquanto crianças brincavam no parque e cães corriam atrás de discos. As nuvens no céu pareciam mais brancas, o céu mais azul e o ar tinha aquele vento refrescante de calmas tardes abafadas de verão.
Não consigo esquecer de quantas vezes entrei na sorveteria e pedia todos os sabores, comia até não aguentar mais e era feliz assim. Sentia o gelado do sorvete, e o doce do açúcar me darem animo para brincar um dia inteiro, e descansar, e acordar e brincar de novo. 
Triste tempo em que vivíamos com alegria, e agora ansiamos por ela sem pensar de novo. Triste tempo em que não soubemos aproveitar a calmaria que a vida nos dava, e agora a única coisa que queremos de volta é obter aquela calmaria. Correr é bom, você não para o seu corpo, não tem tempo para meias palavras e vai sempre se focar no objetivo principal, mas o problema, é quando o seu objetivo principal passa a se tornar a saudade da vida. E a vida que você leva, é a que sempre quis levar, mas que agora não a quer mais. Você se lembra de como era bom a única responsabilidade do seu dia, era simplesmente, ser você? 

sábado, outubro 22, 2011

Tirei os sapatos,
Abracei meus joelhos,
Repousei a cabeça,
Senti teu calor em mim,
e pude, então,
Dormir.

sábado, outubro 15, 2011

Vivo ou Morto



Começa o dia pedindo para que tudo dê certo, e ainda assim não sai da cama. Espera o melhor momento, o melhor tic-tac do relógio, o melhor barulho interno do travesseiro. Levanta da cama e não consegue manter o sorriso no rosto, banha-se, veste-se, sai de casa e vai para o mundo.
A rua, fora de sua zona de conforto, parece muito menos agitada do que o normal. A rua parece-lhe como um filme antigo, onde há apenas o personagem principal  e o vento, soprando suas roupas. No caso, o personagem é apenas mais um coadjuvante. Poucos carros passam, e os que passam jogam água de fora das pequenas poças formadas pela chuva da noite anterior, e nas poças há um reflexo distorcido. Não o dele, nem de ninguém, mas de um céu claro, com nuvens brancas e um sol ao canto. Se olhasse para o alto, veria apenas um dia frio e cinzento.
Não cumprimenta as pessoas e sente que assim está fazendo um bem geral, impedindo de que elas tenham todas um enorme desprazer em ver a sua cara olhando para seus rostos. Sente-se como uma aberração, uma anormalidade enrustida em um corpo humano que não consegue ser igual aos outros. Não sente vontade de ser igual, e mesmo se sentisse não o seria.
Volta para casa com as compras do mercado; único lugar em que consegue dar seu bom-dia para alguém sem se sentir julgado. Nunca mais voltará lá, e se voltar não vão lembrar dele, e se lembrarem nunca será o mesmo caixa de novo. Anda alguns quarteirões para reparar que os carros não dão atenção para o morador de rua que anda no meio fio, passam correndo ao lado dele sem se preocupar ao menos com uma distância segura. "Que bom seria se minha vida fosse assim, sem eu me preocupar com a distância e proximidade. A distância é a única arma que tenho para lutar comigo mesmo, e a proximidade é a minha derrota. Me distancio de todos, ando no meio fio e vivo sem uma preocupação mais forte, para que chegue algum carro, e não se preocupe com a distância, se aproxime de mim, e eu me deixe aproximar, deixe aproximar, deixe aproximar...". Neste momento o mendigo jazia ao chão, com uma perna quebrada por um ônibus que passou no sinal vermelho.
Quando volta para casa, ao fechar o trinco do portão e colocar o guarda-chuva azul escuro aberto ao lado da mesa, sente que o molhado em seu rosto é uma gota de chuva respingada. Passa a mão para tirar a gota e continuar com a sua vida, enxugando cada vestígio que te faça lembrar que ainda está vivo. Engolindo cada sentimento torto que lhe apareça à face, e fazendo com que esse sentimento fuja correndo como o poodle da vizinha ao entrar no quintal do pitbull. Fez do erro da vida a sua proteção, e assim como uma barata ele se finge de morto para escapar da morte.

quarta-feira, outubro 12, 2011

Não sou tudo o que você sempre quis


Já vestido de pijamas, sentado à beira da cama começo a pensar em todas as mulheres que eu tive, todas as que eu não tive e todas as que eu pude ter. Esses pensamentos me cansam, me gastam. Deito-me, e me cubro até o pescoço com uma coberta felpuda que ganhei de natal há alguns anos atrás. Estou estranhamente cansado essa noite, e logo durmo. No sono breve, sonho.
Sonhei que andava sozinho em um lugar escuro e frio. Estava com minha melhor roupa, meu melhor tênis e ainda assim sentia frio. Um frio de gelar o osso, e nesse lugar as árvores tinham rostos e mãos e braços e dedos grandes e assustadores, com unhas pintadas de vermelho-rubi. Os troncos eram uns brancos, outros marrons, uns gordos, outros magros, uns altos e todos eles olhavam para mim, enquanto eu corria. Um olhar de desaprovação sem igual, nunca me senti tão triste por estar vivo, por ser eu mesmo e por apenas andar com frio. As árvores riram e pararam todos os barulhos, rostos enfurecidos me procuravam e no susto uma me bate à cara. Acordei.
As vezes tenho a sensação de que quando você pensa demais em um assunto, esse assunto toma conta de sua mente durante o dia, a semana, a noite, e até durante o sono. Só essa explicação é aceitável, o resto é baboseira. E se for isso mesmo, todas as árvores são as mulheres da minha vida; e todas, sem exceção, me desaprovam. Malditas árvores da desaprovação, porquê me têm como seu carrasco e me fazem sofrer tanto?
Sempre fui o homem que todas procuraram ter. Fui o homem que se dedicou, que amou quando a ordem era não se apegar. Fui o homem que deixou de lado quando pediu um tempo, e nunca mais voltou. Fui o homem que aceitei a decisão e sofri calado, o homem que abriu a porta de casa e fui roubado. Fui o homem que deixei que entrassem, invadissem, mordessem, assassem e temperassem com caldo knorr o meu coração e é assim que sou retribuído.
Que culpa tenho, se, toda vez que quero dar o melhor de mim, dou? É este o mal que se paga por ser o homem que todas procuram e nenhuma encontra? É assim que as coisas acontecem no mundo, já deveria saber. Saber que quando sou mais teu do que sou eu, não sou nada.