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terça-feira, agosto 30, 2011


Não, ele não gostava de poesias. Apenas palavras soltas em algumas linhas, uma rima aqui outra ali. Estrofe, verso, frases impostas e pequenas. Frases que sozinhas não conseguiam expressar os seus sentimentos, frases que antes colocadas de outra forma poderiam trazê-lo à vida, mas em formato de poesia não.
Não que fosse manha, ruindade ou coisa assim. Somente achava que aquelas ínfimas palavras jogadas no papel, enfileiradas e arrumadinhas não eram o que ele realmente sonhava. Sonhava com frases, parágrafos e sentenças. Sonhava com a complexidade que as palavras lhe surgiam e que ele ia transcrevendo. Com a velocidade corrente e contente com que as colocava no papel. Com a forma obscura em que apareciam em sua mente e que pouco a pouco, ele dissipava a névoa de pensamentos e o concretizava em um simples texto.
Sim, ele não gostava de poesias. A poesia era bela demais, suave demais, simples demais para o mundo em que vivia. A poesia nada mais era, do que uma pintura renascentista, enquanto ele via a vida como um Picasso. A poesia o limitava, e ele não gostava de limitações, preferia viver o arriscado, o incerto e o errado.

quinta-feira, agosto 25, 2011

No hotel com vinho e prostitutas.



Abro a porta do quarto como se fosse uma passagem para outra época. Um portal que me faz voltar à noite de ontem, onde, embriagado, entrava com duas garotas neste quarto. Elas já saíram, a loira e a morena, altas, bonitas, gostosas. Ambas me pegaram o dinheiro e saíram. Sem olhar para trás, sem um beijo de despedida, sem um aperto de mão.
O corredor me leva até o elevador, que agora aparenta estar mais longe do que ele realmente está. Estou exausto e minhas pernas parecem não querer andar. Meus ouvidos estão mais atentos ao pulsar de meu coração do que ao ambiente externo, onde logo na porta à frente saem barulhos de um casal se amando (ou se maltratando, pelos gritos). As paredes são de listras verdes, que descem ao chão e misturam-se com o carpete estampado e sujo. Aos pés da minha porta está sujo de vinho, mancha de vômito e duas moedas de cinco centavos. O casal para de gritar e começam a quebrar coisas em uma discussão sem fim. Diz ela que ele não tem mais tempo para ela, e que ele nunca a amou verdadeiramente. Quem seria a tal de Suzana que ela alega ter sido chamada? Pobre mulher, mal sabe como é para um homem amar apenas uma mulher e dedicar parte de seu dia, de sua vida para amá-la; e esse tinha duas. Deveria ganhar um prêmio de homem do ano, por conseguir administrar o seu amor para duas ao mesmo tempo. Eu aqui, de ressaca, encostado na porta, sem forças para levantar, e aquele homem amando dois seres ao mesmo tempo. Campeão.
O fim do corredor, com uma lâmpada piscando, está sóbrio. Sem mais ruídos, sem mais pessoas, sem mais vida. Ando por ele, encostando na parede e ajustando a gravata torta. Com o paletó na mão, tento me lembrar qual foi o motivo de tamanha comemoração de ontem. Comemorei por estar vivo? Ganhei a promoção na concessionária de carros e terei, finalmente, o meu conversível? Fui demitido? Não consigo lembrar, e por mais que eu pense minha cabeça apenas dói. A única pessoa que tem consciência de minha vergonha sou eu. Talvez eu, e o guarda que vigia a câmera de segurança, que agora me segue como se eu fosse roubar alguma coisa, arrombar alguma porta ou sair correndo sem pagar. Se minhas pernas me obedecessem.
A verdade é que eu nunca fui bom em comemorar, sempre exagerei quando não devia e reprimi quando era para exagerar. Nunca demonstrei o que sentia pela mulher que amava, até ela não aguentar mais não ser correspondida e me deixar. Me largar. Com todos os planos, com todas as metas e tudo o que eu havia pensado em realizar ao lado dela. Com ela, sem ela saber. Ontem devo ter comemorado muito bem, pois algo especial aconteceu; apesar de eu não me lembrar. Ontem eu devo ter olhado, assim como todas as noites, a sua foto antes de cair no sono. Ontem eu devo ter te deixado em meio à prostitutas e vinho, pois não te acho em minha carteira, não te acho guardada em seu lugar especial, não te acho.

terça-feira, agosto 23, 2011

d'Ela


São d'ela as minhas melhores lembranças
e também são as piores.
Foi d'ela que eu tirei ótimas lições de vida,
de vivência,
de carência,
de paixão.
Foi com ela que eu deixei meu coração.

É dela, agora, o coração meu,
se posso chamar de meu aquele pedaço de carne.
Que ela me roubou, 
pisou,
despedaçou.
Fiquei sem ele, cá estou.

Aprendi a combinar meia com camisa,
Ela me ensinou isso e mais um pouco.
Agora ainda ensina,
vacina,
curei.
Acho que por ela não mais sofrerei.

sábado, agosto 20, 2011

O ato do cotidiano



O cenário é meu banheiro. O papel principal é meu. Para muitos sou considerado como o coadjuvante, para outros apenas um figurante. Meu cabelo recém cortado jaz por sobre a pia, entupindo o ralo e fazendo uma poça de água. Corto o cabelo com a lâmina, para mudar não só meu visual, mas para dar uma nova continuidade à minha vida. Corto o cabelo para apontar o fim de uma fase, e o começo de outra; ou o recomeço de uma mesma fase que nunca termina.
Decido me barbear. Passo a espuma no rosto, olho para aquela lâmina, antes tão tentadora, e passo-a em meu rosto. A espuma sai, o branco dá lugar à minha cor de pele, que não é branca como a de um defunto, mas sim viva. Viva e com uma intensidade e uma vontade de viver. Viva e lisa. Passo-a em cima de meus lábios e como um belisco, sinto uma dor. Ai. O sangue aparece e começa a escorrer em cima da clara espuma. Além de vivo eu sangro também. Deparo-me agora, com meu sorriso. Um sorriso ensanguentado, sujo de espuma de barbear; um sorriso torto. O sorriso de quem vive, sabe que vive e quer viver mais e mais, atuando nesta peça eterna.

terça-feira, agosto 09, 2011


Você vai sofrer,
Vai perecer e vai agoniar na minha mão.
Que nasça uma pedra em seu rim,
uma verruga no seu rosto
e uma mancha na sua barriga.

Que você sinta a dor de mil cutículas, 
e que você tire todos os pelos de seu corpo com pinça.
O seu cabelo vai cair, a sua pele enrugar
a sua unha vai encravar e você vai engordar.

Seus olhos parem de ver, seus ouvidos de ouvir.
Acho que nenhuma punição no mundo vai te fazer entender
que eu não quero, em hipótese alguma,
que você mostre como está feliz sem mim.

sábado, agosto 06, 2011

Simples assim


E acontece por ser
simples assim
eu gosto dela, 
e ela gosta de mim.

Outro dia a gente anda,
corre, senta no banco da praça
Hoje em dia a gente se olha
se beija, se pega e amassa.

Venho dizer que nem sempre foi fácil
Um dia já fomos dois desconhecidos
um de cada lado, isolados
agora somos amigos.

E o amor aconteceu pra nós,
simples assim
como acontece quando o orvalho
cai de uma flor de jasmim.

quarta-feira, agosto 03, 2011


Senti o vento balançando meu cabelo enquanto observava o mar sentado. Estive pensando ultimamente, se eu estava certo, se tudo o que eu estava fazendo era certo ou não. Tinha tomado algumas atitudes que me trouxeram até aqui, que me levaram a este momento, este exato momento.
Chego mais perto da beirada, e vejo que há um longo trecho até o mar. Essa colina é mais alta do que eu pensava que seria, mas já não tem mais volta. Saí do meu emprego, vendi meu carro; vim até aqui de carona. Demorei para chegar nesse lugar, o lugar perfeito. Alto, com uma grama na ponta da colina, e o mar embaixo. Sem pedras, apenas a água fria e eternamente móvel do mar. Um lugar onde ventasse o suficiente para que meu cabelo se mexesse, mas nao para que a minha roupa saisse voando por aí. Aqui está tudo perfeito, silencioso e vazio, do jeito que eu queria; já que não posso exigir muitas coisas.
O céu, nublado, ameaça uma chuva que eu havia lido nos jornais que chegaria lá pelo dia de hoje, e demoraria a passar. Era uma nuvem escura, e ampla. Cobria o céu até aonde eu podia ver, e não acabaria tão cedo. Pode ser um mau presságio, pode não ser também.
Começo a me despir, a água está me chamando com esse barulho de ondas que batem na encosta, e o barulho do sal efervecendo e sumindo. Tiro a camisa, desabotoando botão por botão, lentamente. Dobro-a e coloco num canto. Tiro os sapatos marrons, com solas gastas e sujas, um por um, e coloco em cima da camisa. O vento aumentou e ela pode voar. Tiro a meia, faço um bolinho e coloco dentro de meus sapatos antigos. Acho que já não posso mais chamar de meus. Chamarei apenas de sapatos.
Dou uma última olhada para o mar, chego mais perto e aquela sensação de liberdade me consome. O vento batendo diretamente em meu peito nú, a calça balançando, os cabelos, tudo. Aquele cheiro de chuva que ainda não começou, o silêncio, tirando o som das ondas, é quase perfeito. Divino. Era tudo o que eu precisava. Silêncio, vento, chuva, paz, e liberdade. O que mais um homem pode querer em sua vida?
Tomo distância, olho para o céu, já escuro e trovejante, há ainda um ponto de claridade nele. Não há em minha vida. Sinto pela última vez a grama em meus pés, a terra, a energia que a natureza me trás e também a força de continuar esse dia. Cai uma gota em meu ombro, fria como uma lágrima, sinto-me como se alguém estivesse triste por eu estar fazendo isso, apesar de não haver ninguém nesse estado. Dou uma última olhada para as minhas roupas, viro de frente e corro. Corro e sinto o vento aumentando, meu cabelo indo para trás, meu sangue esquentando, outra gota, a grama escorregando entre meus dedos dos pés, o barulho das ondas, aquele último feiche de luz no céu, o frio, minhas mãos suando, as folhas das árvores batendo. Pulo.

terça-feira, agosto 02, 2011

Dêmonio



Os demônios estão todos por aí, espalhados e correndo pelos quatro cantos do mundo. Há vários tipos de demônios, cada um com um nome diferente, e nenhum deles é bom. Eu encontrei meus demônios e aprendi a conviver com todos eles, pacificamente.
Há o demônio da preguiça, que te impede de levantar da cama cedo, e te faz correr para chegar no horário. Há o demônio do seu quarto, que te faz ficar sempre com aquela luz verdinha na tomada, para não dormir no escuro.
Conheço muito bem o demônio da bíblia, aquele cara que leva todas as pessoas más para um lugar, e pune elas por toda a eternidade. Pensando bem, esse não... esse é um demônio muito bom, está limpando a terra e punindo os malfeitores. Isso mesmo.
Os demônios, capetas, e satanás não trazem apenas o mal, mas convivendo com eles você descobre o lado bom de todos, e passa a aceitá-los melhor em sua vida. E como dizia Teco Martins:
Lúcifer devolva minha alma, a troca não valeu a pena.