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sábado, novembro 24, 2012

Preta e gorda


Assim que eu entrava no consultório eu  atendido por uma mulher. Ela me sorria com os dentes brancos todos enfileirados em uma boca aberta, e sua pele era coberta de uma maquiagem forte em cima dos olhos e no lado do seu rosto. Geralmente ela usava uma blusa clara, mas nesse dia era de um azul-marinho que a escondia entre uma planta encostada na parede e uma maquina de café que fazia muito barulho. Sempre mexendo no computador e em algumas folhas de papel, segurava o óculos sem tirar e dava o seu "Bom dia" de dentadura. 
Além da máquina de café muito barulhenta, havia um aquário e a parede verde escuro, a mesa da mulher e dois bancos de espera. O tempo lá corria sempre muito devagar, e cada minuto levavam dez, e cada dez um dia. A porta em frente aos bancos se abria a cada meia hora, ou seja, se você chegar com vinte minutos de antecedência, levará dois dias para ser atendido.
Finalmente, depois de meio dia ter se passado, a maçaneta girou e a porta abriu. De dentro dela saiu um capuz azul em calça jeans que foi em direção a porta, e pouco depois um jaleco branco recheado de um corpo masculino. Alguns pêlos saiam da gola e das mangas do jaleco, as mãos que saltavam de lá pareciam dois pães gordos, e os dedos eram amarelados. Fez um sinal para que eu entrasse e eu passei por ele, cheirava a cigarro.
A sala era uma mesa pequena, com um relógio, outro aquário e um bloco de notas. Ao lado havia um divã que me esperava, e uma janela que ia do chão ao teto, e iluminava todo o ambiente deixando o lugar com uma aparência maior. E eu começava a entrar em desespero.
Eu deitei, o jaleco sentou e de lá saiu uma voz grossa que tremia todo o meu corpo. Ainda bem que era eu quem falava mais. Me perguntou como estava, bem, o que havia acontecido desde a última semana até essa, nada de mais, e como eu andava com meus problemas, acho que estou melhorando. Considerando que o tempo nessa outra sala passava em uma velocidade quase normal, não demorou muito para terminar a sessão e assim eu pude ir embora.
Após a maçaneta estava a mulher sentada na porta e olhando fixamente para frente. Esperei o adeus de sempre dela, e ela não deu. Bati no aquário e o peixe se mexeu como sempre, e atravéz da água eu vi uma arma. A arma estava na frente de um capuz preto e sujo, com algumas folhas marrons em cima. O capuz me olhava, e dentro das aberturas dos olhos não haviam olhos, eram escuros. E eu segui meu caminho, enquanto atrás de mim vinha o jaleco. Ele também viu o capuz e nesse instante foram gritos e exclamações, enquanto de mim vinham interrogações. Barulhos que explodiam, aquário jogado no chão e um peixe se debatendo em uma água vermelha que me lembrava groselha. Um capuz correu e esbarrou em meus ombros, deixando cair algumas notas de dinheiro no chão.
Na portaria um carro estava estacionado, alguns outros vermelhos piscantes chegavam e encostavam perto. Eu estava saindo quando alguns casacos e paletós me seguraram e puxaram para o lado. As minhas pernas pararam de me sustentar, como se brincassem comigo e me jogaram ao chão. De lá, eu só via muitos tênis e sapatos, andando de um lado para o outro e minha roupa molhando. Alguns disseram que era tiro, outros disseram que eu não conseguiria mais andar, e outros só olhavam com pena. Um sapato branco chegou e gritou que ele precisava de sangue, e agora doía para respirar. Um carro que estava parado saiu, eu olhei pro lado e vi que, encostado no meio fio, havia um gato, com um laço rosa na cabeça. Uma gata preta e gorda, que miou alto por duas vezes e depois parou. Tudo estava como a gata, mas agora sem miados. Silêncio.

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