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sábado, agosto 20, 2011

O ato do cotidiano



O cenário é meu banheiro. O papel principal é meu. Para muitos sou considerado como o coadjuvante, para outros apenas um figurante. Meu cabelo recém cortado jaz por sobre a pia, entupindo o ralo e fazendo uma poça de água. Corto o cabelo com a lâmina, para mudar não só meu visual, mas para dar uma nova continuidade à minha vida. Corto o cabelo para apontar o fim de uma fase, e o começo de outra; ou o recomeço de uma mesma fase que nunca termina.
Decido me barbear. Passo a espuma no rosto, olho para aquela lâmina, antes tão tentadora, e passo-a em meu rosto. A espuma sai, o branco dá lugar à minha cor de pele, que não é branca como a de um defunto, mas sim viva. Viva e com uma intensidade e uma vontade de viver. Viva e lisa. Passo-a em cima de meus lábios e como um belisco, sinto uma dor. Ai. O sangue aparece e começa a escorrer em cima da clara espuma. Além de vivo eu sangro também. Deparo-me agora, com meu sorriso. Um sorriso ensanguentado, sujo de espuma de barbear; um sorriso torto. O sorriso de quem vive, sabe que vive e quer viver mais e mais, atuando nesta peça eterna.

3 comentários:

  1. esse texto é meu favorito, depois do das laranjas, sério!

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  2. Você escreveu como um "narrador" de filmes franceses antigos...
    Mas como você escreveu me agradou, gostei muito do texto, até a foto do Fiuke fazendo a barba ficou legal!!!

    Nunca saberei qual é essa sensação, até porque não tenho o hábito de me barbear [com frequência]...

    Mas posso imaginar o como seria esse sorriso.
    "O sorriso de quem vive, sabe que vive e quer viver mais e mais, atuando nesta peça eterna."

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