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segunda-feira, junho 20, 2011

E os cigarros no cinzeiro


Acordou naquele quarto de sempre. Paredes brancas, cortina branca, lençóis e cobertas brancas, uma regata branca e a cueca branca. Era assim que gostava de dormir e de acordar. Pelo menos assim ele se sentia melhor, em ver que o dia começava branco, sem sujeiras ou impurezas. Às vezes havia uma mancha aqui, um pedaço de pizza alí, aquela pegada do cachorro que entrou escondido no quarto; mas tudo passava.
Sentou-se na cama, tirou a coberta e o lençol. Estava encurvado e os cotovelos apoiado nas coxas, faziam pressão a ponto de deixar uma marca vermelha, mas não ao ponto de doer. Mexía no cabelo e coçava a sua barba-por-fazer. Tinha os olhos vermelhos e apertados -às vezes aquela claridade do quarto o incomodava também-, deu um sorriso e se espreguiçou.
Levantou da cama, abriu a cortina e viu o dia, a rua movimentada de sempre, os carros que nunca paravam naquele apartamento-de-centro-de-cidade, as pessoas que andavam apressadas sem tempo de ver que logo acima delas, na altura de uma janela de um apartamento, pássaros alimentavam uns filhotes que haviam acabado de nascer, no poste de luz.
Andou para o outro lado do quarto, e em cima de sua escrivaninha estava o maço de cigarros. Ele sabia que não deveria, ele sabia que não podia. Tinha tido um problema de asma quando pequeno, e nao deveria fumá-los. Já não fazia mais sentido continuar com aquele pensamento, vamos fumar logo e esquecer um pouco disso tudo.
Pega o isqueiro e encosta o dedo naquele metal gelado. Pega um cigarro dos outros tantos, coloca em seus lábios e trás o fogo à boca. Encosta o fogo do isqueiro no cigarro seco e sem vida, os dois se unem como em uma transa onde o fogo da paixão arde entre os amantes e os faz esquecer de tudo. Puxa. Sente as impurezas do cigarro adentrarem sua boca e irem direto ao pulmão; ao mesmo tempo sente as alegrias que o cigarro lhe dá. Solta. Sente que o mundo parou e puxa, e solta, e puxa, e solta. E aquele cigarro, preso entre o indicador e o dedo médio, vai diminuindo de tamanho, e encolhendo e se transformando em cinzas; assim como a sua vida. Ele sabe que logo, ele será mais um daqueles apressados correndo, em um mundo escuro, com ternos escuros e saias escuras e que ele não terá tempo de ver o primeiro voo daquele pássaro recém nascido, ele sabe que não terá tempo de brincar com o cachorro. Hoje não, talvez outro dia.
E então ele não reclama. Gosta daquele seu quarto branco, onde a monotonia prevalece e onde as cores não entram. Aquele quarto onde até seu cigarro, e a fumaça do cigarro são brancos. Aquele quarto, onde seu maior salvador, seu maior amor e seu delírio se tornam cinzas assim como o mundo lá fora, e o faz lembrar que tem que voltar pra lá. Aquele quarto, onde o cigarro branco se torna cinzas e seu mundo logo se tornará também. Aquele quarto branco, naquele mundo cinza.

3 comentários:

  1. Foda, foda, foda. Mas meu favorito continua sendo o das laranjas!

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  2. Hey, man!!! Parabéns... é o primeiro que leio, mas gostei do estilo. Irei ler mais. Agora entendo o fato de gostar de Machado de Assis. Boas influências, Green Lantern! Gostei mesmo! Descreveveu tão bem e sutil que consigo visualizar uma cena.

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